quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Xapecó, parabéns - paramaus - paraporaí...



Vendaval...

...ventos insurgentes chegaram a meia noite enquanto os casais em suas celas aprisionados sonhavam com o verde do dólar, sonho americano e ignóbil, diga-se de passagem. Voltando aos ventos... eles, os ventos, nos chegaram com tanta força que nem a estrutura mais bem estruturada de nossa pacata, porém, promíscua cidade, manteve-se em pé; e a estrutura mais bem estruturada que se desestruturou com os ventos sulinos, foi a estrutura do historicamente hediondo monumento central. Levantado de lata e alguns muitos parafusos, o desbravador simboliza o poder dos imigrantes colonizadores que subjugaram caboclos e indígenas que aqui, antes eram maioria. Mas o que isso importa agora não é? (se perguntam os tolos que abnegam a história). É certo, assim como caboclos e indígenas, os colonos imigrantes também tem seu valor, tal como os cães, os pássaros, as flores... Mas que valor tem os colonizadores? Têm também, tal como os frangos, os bovinos e os porcos – não necessariamente nesta ordem. Bom, deixa pra lá! Voltando outra vez aos ventos varredores, que, diga-se novamente de passagem, varreram além do desbravador, a igreja (com o padre junto), a prefeitura (com o prefeito junto), o comércio (com os capitalistas junto) e, como complementaria um bom anarquista, o resto do lixo que se amontoava pelas ruas imundas desta cidade. * Obs.: Não é meu este complemento, pois não sou heu um bom anarquista. Pois bem, hoje, apesar do caos aparente, a cidade acordou mais calma, os ventos fortes foram-se e ficou pelas ruas um ar de pureza, de renovação; um ar de novidade ainda não compreendido pelos sobreviventes que, se tudo correr bem, não serão linchados nem tampouco queimados em praça pública.

...em memória de...

el tango

Sobre rosas e arbustos...

Moro nesta pequena, esfumaçada e hedionda cidade há alguns anos. Para quem necessitar de meus serviços, resido à avenida Getúlio Vargas, num prédio chamado Bianca, que ao contrário do portentoso nome que ostenta, não possui esplendor. Desde que aqui cheguei ouço falar numa tal “cidade das rosas”. Como a única cidade que existe por perto é esta de onde vos falo, depois de uma longa e analítica dedução, deduzi que a “tal” não podia de forma alguma ser outra que não esta mesma. Xapecó, chama-se ela. Às margens plácidas do rio Uruguai, cercada de todos os lados por abatedouros e montanhas, a “capital do oeste”, ei-la austera e soberana.
Aqui chegando, não contei quantos degraus têm a igreja matriz, visto que nunca tive vocação para ovelha, tampouco atinei com aquela monstruosidade de ferro, lata, zinco ou sei lá qual mineral, postada no meio da avenida. Só depois fiquei sabendo que atendia pelo heróico nome de “desbravador”. Procurei nele alguma semelhança, por mínima que fosse, com um índio. Perdi uma hora ali e não encontrei a dita.
Mas voltando ao que nem comecei, por mais que me esforce, até hoje não consigo atinar direito do porque chamar esta de cidade das rosas, que convenhamos, se não é original, não deixa de ser uma perfumada homenagem! Penso cá com meus botões (que se já caíram, pelo menos sei que estão em algum lugar) que, ou as rosas estão muito bem protegidas por nosso sempre atento e eficiente aparato militar em algum abrigo subterrâneo a prova de olhares curiosos, ou simplesmente não existem, assim como deus, papai noel, os smurfs, o mestre dos magos e o vingador, que tanto atribularam meus sonhos de infância.
Agora, se rosas não há, arbustos não hão de faltar! Em cada terreno baldio, centenas deles. Ao redor de prédios abandonados, no meio da calçada ou dos canteiros, farto banquete para os cavalos extenuados dos catadores de papel. Não sei-lhes os nomes característicos, muito menos os científicos, pois não me interessam demasiado para que eu curse biologia, especialmente botânica, mas como proliferam! Realmente um espetáculo de encher os olhos. decididamente não podemos nos queixar da falta de verde, já que as rosas, estas sim, desapareceram.
Sou obrigado a confessar minha ignorância. Há um mistério indecifrável, como indecifrável continua para mim aquela estátua gelada e assustadora e o incêndio que todos querem esquecer. Talvez encontre a resposta conversando com historiadores, mas como há só um que realmente considero, sem querer com isso, que fique bem claro, desprezar os outros, espero sua indulgente resposta à minha ingênua pergunta. Mas até que isso aconteça, continuo com meu faro em alerta, tal qual cão perdigueiro, à espreita do mais suave odor que possa revelar a existência da quem sabe última rosa.
Xapecó, primavera...

Coiote

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Um poeminho...


No ápice do risco, ele sempre insiste.
- Venham até a margem!
E resistem...
Como quem segura um lápis com um só dedo.
- Venham! Não tenham medo de cortar-se no branco, ele insistiu.
Os lápis já possuem pontas.
E a cada apontador, um corte.
Fizeram-se dois traços. Ou seriam garatujas?
Ele os empurrou...
Ambos rascunharam o desejo.


Helen Bressanelli

http://menina.tremula.zip.net/




Conto...



Noite Embriagada


...luz baixa. Fumaça. Uma taça lacrimejante com resíduos arroxeados no fundo. Uma garrafa com menos da metade do dionisíaco líquido embriagador. Uma pequena mesa em madeira. Uma cadeira envelhecida. Eu. Em volta da medonha luz, mariposas noturnas divagam, fazendo companhia aos meus devaneios. Lá fora, os grilos e tudo o resto que compõe uma noite fria de outono. Uma garoa suave começa e logo termina. Retorna. Termina outra vez, e assim consecutivamente pelo resto da noite. Ouço tudo. Volto a encher a taça. Meu último charuto libera sua ultima fumaça. Há cinzas pelo chão. Minha respiração ofegante se ouviria em alto tom se existissem ouvidos alheios em volta. Eu ouço. Meus olhos pesam. Já não há mais cheiro no ar. A pouca luz começa a enfraquecer, logo, logo, ela sucumbirá dentro da escuridão. Levanto. Rodopio. Volto a sentar-me. Com os olhos semi-serrados, cochilo por um breve instante. Reacendo como brasa, sutilmente. Pego a garrafa e despejo a última gota do vinho já azedo em minha boca. A língua contorna os lábios para um último beijo no sabor que ainda resta. É o fim. Tonto e mudo, já não tenho mais canção para cantar; já não tenho mais energia para manter-me sentado. E o tombo se faz. Caio junto a cadeira que também despenca, fazendo coreografia com o corpo. Ainda não sei. Deixo a obscuridade da noite me envolver. Cubro-me com seu negro e aconchegante véu. Sinto a calmaria. Será o sono? Será a morte? Talvez. Talvez ainda seja só um sonho daqueles que se sonha uma única vez na vida. Mas ainda não sei, pois, por enquanto, não sou mais do quê sempre fui... alguém.

Carlito d’el Tango