Quisera eu ter, de um golpe, a infância dantes,
pra não passar p'la vida em mortes lentas...
Como quem mira, ao longe, as grãs tormentas
Temendo o palco a amores claudicantes.
Quisera eu ter na face o ardor dos erros,
As densas marcas que a beleza entalha,
A ser, aos chamarizes da mortalha,
um leito firme a abrigar enterros...
Quisera em meus afãs crepusculares,
Gravar o viço matinal dos cheiros:
Embevecer-me em nardos, sóis trigueiros,
Sacar das flores mádidos colares!
Quisera eu ter a púrpura dos beijos,
Rumorejando assomos de outras vidas,
A ter de perdurar nestas feridas
Que pintam em meus lábios graves pejos.
Quisera entardecer nas invernadas,
Cevando os olhos co'as idades todas,
Ser moço à vida já saudando as bodas,
Ser velho à morte em noites já veladas.
Quisera dedilhar num só momento,
Co'a rubra timidez dos meus anseios,
Sonetos de alegrias muito cheios,
Capazes de cessar o embotamento.
Quisera o pranto a selar este anelo:
Enfim, livrar-me do mordaz ditame
Dos que hoje vivem, neste berço infame,
Cultuando o Vício e conspurcando o Belo!
(Marlon Macarini)