quarta-feira, 18 de julho de 2007

Conto...

Diógenes.

VELANDO TEU SONO... TRÊMULO
de onde estou posso ver seus contornos indefinidos na penumbra. encolhida no sofá como um trapo sujo ou um gatinho que sonha, ela respira com certa dificuldade. muito cigarro. muita vodca. muita falta de. eu a encontrei no bar. bem, eu estava por por ali, bebendo uma cerveja no balcão envolto por um manto espesso de fumaça de frituras & cigarros & pequenos incêndios que eu não conseguia definir muito bem naquela hora morta da madrugada. pensava numa frase de Camus "o único problema filosófico realmente sério é o suicídio" & em seios fartos & bocas besuntadas de vermelho & uisque decente & na minha mãe & no Maradona, tudo ao mesmo tempo. foi quando ela sentou do meu lado e pediu um rabo-de-galo. enquanto emborcava todo o troço tive tempo de olhar melhor. sua cara me lembrou um campo devastado por napalm no sudoeste do Camboja em 1973. eu nunca havia estado no Camboja, muito menos no sudoeste. mas se tivesse ali um campo devastado por napalm, o ratrato dele estava arrotando ao vivo e a cores bem na minha frente. voltei a me concentrar na cerveja. ela pediu outro trago e repeti o movimento olhando agora para o resto do corpo. nada mal, o corpo. quando terminou de beber, virou-se para mim e falou. sangue de la Madona! sua boca tinha o cheiro de três mil fetos abortados na décima quarta semana. prendi a respiração e aguentei com pude.
- você é João Fantini? - tentei me concentrar em seu vestido verde com lantejoulas penduradas & no relicário com a imagem da Madre Paulina, lembrança de Nova Trento, balançando oprimido bem no meio daquelas tetas murchas.
- não sou eu, não. - soltei o ar. puxei de novo.
- ora, corta essa, seu idiota! sei que é você.
- é, acho que tem razão. - respondi - voltando a respirar novamente.
- continua escrevendo aquele lixo? - ela perguntou.
- não. agora luto boxe. - eu já estava me acostumando com o cheiro, naquele momento.
- aquilo é pura merda. você não sabe escrever, garoto.
- tem gente que gosta. - ela então jogou a cabeça demente para trás e soltou uma gargalhada medonha de modo que pude contar os dezoito dentes que teimavam em permanecer naquela boca de tumba de faraó. depois acendeu um cigarro, pigarreou e disse:
- ouça isto: " choros são ninharias tão pequenas/suspiros coisas tão reles/mas é de tais ocupações/que morrem homens e mulheres!". conhece?
- é Emily Dickinson. - falei.
- isso é poesia. isso é literatura. não aquela droga que você publica no site.
- é um blog.
- e que diferença isso faz? - não respondi. minha vontade era a de arrancar o resto daqueles dentes para que o ar pudesse circular por ali com mais liberdade, mas me contive.
- quer uma bebida. - perguntei.
- vamos dar o fora daqui. vamos para a tua casa.
- eu moro em apartamento.
- ah, porra!

PARTE DOIS
ela continua dormindo. exausta. depois de termos bebido um litro de vodca sua cara não me pareceu tão ruim assim, e fomos para a cama. mas no meio da foda desisti. ela ficava recitando poemas da Emily Dickinson e da Sylvia Plath no meu ouvido e dizendo o quanto elas eram melhores do que eu. eu mandei as três para as putas que as pariu e sai de cima (ou de baixo, ou do meio, não me lembro mais). fui buscar uma cerveja e quando voltei ela estava ferrada no sono. montei uma cadeira e sentei no escuro, mamando a cerveja. e aqui estou agora, bem no centro dsta pequena, suja e hedionda cidade pensando em como vou me livrar da crítica literária amante da Emily, da Sylvia e das irmãs Brontë. e eu nem sei o nome dela! o que Bukowski faria no meu lugar? e Cioran? "a dignidade do amor consiste no afeto desiludido que sobrevive a um instante de baba". ai, meu deus, eu só queria escrever! de vez em quando dormir e sonhar com plácidos gramados cheios de coelhinhas mimosas que me dizem "deslize" me fazendo cócegas com suas tetinhas irreais. mas estou aqui, bebendo com minha insônia as agruras de um amanhecer nevoento que aos poucos vai entrando pelos buracos da cortina me dizendo que não importa o que eu faça, é inevitável o abismo...

Coiote Martinez

3 comentários:

Anônimo disse...

grande conto caro! grande é pequeno para ele, mas.. prosseguimos!

Anônimo disse...

Cara, vai se fude! Que lixo mais bem escrito! Desculpas aos demais, mas o teu lixo de texto vale o blog inteiro. Baita texto... Puta-que-o-pariu! Velho, há tempos não lia um texto assim...

Anônimo disse...

Realmente um grande texto. É difícil eleger "o melhor", mas isso não importa. Vejo que o espaço aqui não carece de disputas. Muito diversificado. As escritas no geral estão muito boas. Queria poder ler tudo isso em livros. Achei que só existisse a ACHE por aqui. Ela torna-se medíocre posta ao lado deste blog. Desculpem aos associados, mas não posso ser hipócrita.