sábado, 26 de abril de 2008

* poesia *

Quisera eu ter, de um golpe, a infância dantes,

pra não passar p'la vida em mortes lentas...

Como quem mira, ao longe, as grãs tormentas

Temendo o palco a amores claudicantes.


Quisera eu ter na face o ardor dos erros,

As densas marcas que a beleza entalha,

A ser, aos chamarizes da mortalha,

um leito firme a abrigar enterros...


Quisera em meus afãs crepusculares,

Gravar o viço matinal dos cheiros:

Embevecer-me em nardos, sóis trigueiros,

Sacar das flores mádidos colares!


Quisera eu ter a púrpura dos beijos,

Rumorejando assomos de outras vidas,

A ter de perdurar nestas feridas

Que pintam em meus lábios graves pejos.


Quisera entardecer nas invernadas,

Cevando os olhos co'as idades todas,

Ser moço à vida já saudando as bodas,

Ser velho à morte em noites já veladas.


Quisera dedilhar num só momento,

Co'a rubra timidez dos meus anseios,

Sonetos de alegrias muito cheios,

Capazes de cessar o embotamento.


Quisera o pranto a selar este anelo:
Enfim, livrar-me do mordaz ditame
Dos que hoje vivem, neste berço infame,
Cultuando o Vício e conspurcando o Belo!


(Marlon Macarini)

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