terça-feira, 20 de novembro de 2007

Já fui poeta em pesadelo. Já fui cão, garfo e barriga. Também já fui funcionário público e contador, mas isso pouco interessa. A verdade é que nunca tive dom para o que chamam de trabalho. Quando nasci, dois quilos e alguma coisa, mamãe enunciou: “Vejo algo de esplendido no choro dessa criança!”. O médico não entendeu. Papai se assustou mas manteve-se calado. Cresci e descobri minha real vocação. Depois de muito refletir conclui: “Tenho vocação para cavocar abismos”. Morri. Quando renasci, minha vocação original havia sucumbido junto a outra vida que tive. Nesta segunda vida, realmente virei poeta. Até hoje não escrevi nada que merecesse publicação. Talvez não seja um bom poeta aos caprichos da crítica, mas tornei-me um grande ‘desimaculador’, especialista na arte da ‘desimaculação’. As folhas, com suas brancuras peculiares, ao me verem, estremecem. Depois que aprendi a manejar a caneta, não paro de ‘desimacular’. Isso me excita e o faço com um esplendor jamais visto. Minha mãe passada, se vivesse e fosse a mesma nesta vida, teria orgulho de mim... e como teria!
Carlito d'el Tango

3 comentários:

Anônimo disse...

Que coisa magnífica! Beleza estética e linguagem crítica e poética. Fico feliz por ler coisas deste nível. Continuem "desimaculando" sempre!

Anônimo disse...

legal. Um pouco de sarcasmo e poesia, isso é bom demais. De certo modo triste. Em Chapecó também tem poesia, finalmente.

Anônimo disse...

Só tenho que suspirar e aplaudir...