terça-feira, 19 de junho de 2007

Um conto...

ABEL E CAIM
E O REBANHO
DO MAL



Há muito tempo, numa terra de sol escaldante, onde as primeiras crias terrestres edificaram-se nas cálidas montanhas, vivia Abel na plenitude de sua juventude. O rapaz era de descendência divina, linhagem de Javé, o soberano e vingativo Deus das férteis terras que formam o ocidente e o oriente.
Naquele tempo, onde o remoto era contemporâneo, o arcaico era novidade, Abel foi presentead
o com um rebanho de carneiros celestiais. Daquele rebanho Abel tiraria o alimento diário; seria sócio do grande Deus: ofertaria uma quantia razoável de tempos em tempos, em cumprimento do contrato angélico firmado entre criador e criatura.
Abel deliciava-se com a vivência terrena. Tudo era promissor para o jovem criador de carneiros; a terra estava isenta de todo e qualquer mal.
Próximo de Abel vivia outro jovem, um bravo trabalhador chamado Caim. Todavia, Caim não lidava com carneiros, pois acreditava que ainda lhe faltava o discernimento para “conduzir um rebanho”. Vivia de suas precárias colheitas de legumes e verduras; o brasido da terra no fulgurante sol de uma única estação, e a praga devoradora dos carneiros de Abel, não deixavam sua lavoura tornar-se promissora. Andava ele no sacolejo do esbravejamento no reponte do maldito rebanho: o que era divino para um, tornava-se infernal a outro.
O festejo de Abel era a magoa de Caim.
Sempre que Abel amolava uma de suas fartas ovelhas e oferecia a Javé, em gratidão ao bem recebido, Caim esbravejava em ira reivindicando seu suor e suas lágrimas, as quais engordavam o rebanho de seu conterrâneo.
- Com meu trabalho sacio a fome d’aquele que não me vê. Estou farto de plantar o alimento que faz crescer o rebanho e engrandecer a minha miséria.
No alto de uma montanha Caim sentou e chorou.
Nenhum deus o acolheu.
Suas lágrimas umedeciam a terra seca e eram suas únicas companheiras.
Ruído pela fome semeou outra vez.
Regou a terra com lamento e esperança de tudo ser diferente; tinha no forte punho a energia que germinaria a semente e traria o fruto de sua vida; seus olhos acariciavam o broto que surgia entre os torrões e formavam caule e folhas: a alegria voltava a seu sereno rosto. Em alguns momentos Caim ousava até mesmo sorrir.
A semente se fez fruto.
No dia em que Caim ganhava o rumo de sua lavoura, a cena se repetia: o rebanho demoníaco devorava o fruto de seu trabalho; sua plantação em pouco tempo se tornara extinta. Caim perdeu a força e tombou de joelhos ao chão. Implorou a Javé que revertesse o mal que acabara de haver; pediu entre lágrimas e urros o alimento da vida; orou ao Senhor em forma de clemência: de nada lhe foi útil. Não teve nem mesmo a energia de afugentar os malditos carneiros: parou e apenas contemplou o acontecido.
Refletiu então o ocorrido e tirou a lição necessária ao acertar de contas.
Procurou Abel para relatar o desastre que o assolava desde sempre.
- Deves olhar para o que sou, – disse Caim para Abel – minhas lágrimas e meu suor deram o peso em seu rebanho, e, o pior de tudo, diante de teus olhos.
- Essa é a vontade divina – retrucou Abel.
- Será também à vontade de Deus que minha lavoura seja regada com teu sangue; que as sementes que nela eu semear, floresçam com sua alma; que o fertilizante seja o teu corpo e o teu ar de trapaça seja a energia que a fortalecerá.
Dito isso, Caim estraçalhou Abel sobre seu novo e promissor canteiro.
Um sorriso definitivo tomou conta de sua face ao ver a terra que tanto amava coberta pelo precioso liquido vermelho da vida; essa seria uma colheita e tanto; nada mais estava entre ele e seu labor: viveria agora apenas de seu engenho, sem ninguém mais para atravancar seu caminho.
Javé, primeiramente irou-se com tal ato.
Indagou Caim acera de Abel, ao que ouviu:
- Abel é parte integrante da terra. É a energia que fará crescer e multiplicar tudo o que há sobre ela; Abel voltou de onde seu pai saiu, portanto, do pó divino onde se faz o regresso a todo homem.
Javé pasmou-se ao ver tanto engenho em uma pequena criatura.
Decidiu não liquidá-lo; mais ainda, resolveu dar a ele, pela sua bravura e determinação, toda descendência humana. Seria ele, segundo a vontade divina, o elo que ligaria Deus a toda humanidade. Caim seria, desde aquele instante, o principal personagem da existência humana; garra, força de vontade, engenho e arte, seriam coisas instrutivas que Caim legaria as gerações futuras.
Como não houvesse outro jeito, Caim se impôs na terra e reivindicou a adoração divina.
Sua reivindicação considerou a seguinte questão:
- Não devo correr o risco de ser assassinado por nada que habite a terra.
O Senhor, baixando a guarda celestial, concedeu então a Caim um sinal em seu corpo:
- Qualquer que seja que atentar contra ti meu filho sofrerás as iras divinas, e serás aniquilado diante de meu trono.
O pacto fora feito.Caim tinha algo de angélico ao andar nas cálidas montanhas do que hoje chamamos de Oriente Médio.

(Marcio S.)

5 comentários:

POESIAVERTIGEM disse...

grande conto druge marcio.. até q enfim o espaço foi inaugurado, basta agora propagá-lo.. vamos fazer valer nossas linhas.. abraço!

Anônimo disse...

O início da história é atraende, o fim é muito bom (ao se referir ao Oriente Médio), mas o "meio" da história parecia ter sido escrita por um "emo" (nada contra os emos). Deve ser pelo sangue na terra, ou pelas lágrimas na terra... O diálogo com Deus deveria ser mais provocante, ora! Deus não diz só sim e não... Bom texto. Deve continuar a escrever.

Anônimo disse...

Logicamente, se Deus existe, pode falar pouco ou muito (inclusive "sim e não"; todavia, se não existe, ou ESTA MORTO, somente poderá falar aquilo a que nós queremos que Ele fale.

Grato pelo comentário...
Marcio S.

Anônimo disse...

Claro que Deus pode dizer sim e não (apesar de que Deus geralmente não diz, os anjos dizem por ele), mas me referia ao texto literário (não teológico), o qual seria enriquecido com um diálogo mais profundo com Deus. Outro ponto confuso são os dois nomes: Deus e Javé (Jeová - YHWH), às vezes Senhor, em seu texto. Não parece fazer distinção entre eles (superficialmente não há)... seria apenas um artifício coesivo? JEOVÁ-NAKAD!

Grato pela réplica...

Anônimo disse...

Muito bom! Inteligentíssimo! Parabéns Marcio!